sexta-feira, 15 de outubro de 2010


O Egoísmo de Max Stirner – breve amostra

Textos extraídos de «O Único e a sua Propriedade», 1843

Que causa não tenho eu para defender? Antes de tudo, a minha causa é a boa causa, é a causa de Deus, da Verdade, da Liberdade, da Humanidade, da Justiça; depois, é a do meu Príncipe, do meu Povo, da minha Pátria; a seguir, será a do Espírito, e mil outras ainda. Mas que a causa que defendo, seja a minha causa, a causa muito minha, isso nunca! «Olha o egoísta só pensa nele!».

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Eu também amo os homens, não apenas alguns, mas cada um deles. Porém, amo-os com a consciência do meu egoísmo: amo-os porque o amor me torna feliz, amo porque é-me natural e agradável amar. Não conheço a obrigação de amar. Sinto simpatia por todo o ser que sente, o que o aflige – aflige-me, e o que o alivia – alivia-me. Poderia matá-lo, mas não seria capaz de martirizá-lo. Ao invés, o nobre e virtuoso filisteu que o príncipe Rodolfo dos «Mistérios de Paris» é, esforça-se por martirizar os maus, porque o exasperam. A minha simpatia prova simplesmente que o sentimento daqueles que sentem também é meu, é minha propriedade; enquanto o procedimento impiedoso do «homem de bem» (a maneira como trata o notário Ferrand) lembra a insensibilidade daquele salteador que, segundo a medida da sua cama, cortava ou esticava as pernas dos seus prisioneiros. A cama de Rodolfo, à medida da qual ele talha os homens, é a noção do «Bem». O sentimento do direito, da virtude, etc., torna-o duro e intolerante. Rodolfo não sente como o notário; sente pelo contrário, que o «criminoso tem o que merecia». Isto não é simpatia.

O vosso amor pelo Homem é uma razão para vocês torturarem o indivíduo, o egoísta; o vosso amor pelo Homem faz de vocês carrascos dos homens.

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A associação não é mantida por um laço natural nem por um vínculo espiritual; não é uma sociedade natural nem uma sociedade moral. Não é a unidade de sangue nem a unidade de crença (ou seja, de espírito) que a faz nascer. Numa sociedade natural – como uma família, uma tribo, uma nação ou mesmo a humanidade -, os indivíduos só têm valor como exemplares dum mesmo género ou duma mesma espécie; numa sociedade moral – como uma comunidade religiosa ou uma igreja -, o indivíduo não passa de um membro animado pelo espírito comum; tanto num caso como no outro, o que tu és como Único deve passar para plano secundário e desaparecer. Só na associação a vossa unidade pode afirmar-se, porque a associação não vos possui, porque são vocês que a possuem e que se servem dela.

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Levas para a associação toda a tua força, toda a tua riqueza, mas nela fazes-te valer. Na sociedade, tu e a tua actividade são utilizados. Na primeira, vives como egoísta; na segunda, vives como Homem, isto é, religiosamente (trabalhas na vinha do Senhor). Deves à sociedade tudo o que tens, és seu devedor e estás obcecado por «deveres sociais»; à associação, não deves nada: ela serve-te e tu abandona-la, sem escrúpulos, a partir do momento em que deixas de tirar dela qualquer proveito. (...) a associação é teu instrumento, tua arma, estimula e multiplica a tua força natural. A associação só existe para ti e por ti; a sociedade, pelo contrário, reclama-te como sua e pode existir sem ti. Em suma, a sociedade é sagrada e a associação é tua propriedade; a sociedade serve-se de ti e tu serves-te da associação.

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Sou o proprietário da minha potência e sou-o quando me sei Único. No Único, o possuidor regressa ao Nada criador de que saiu. Todo o Ser superior a Mim, quer seja Deus quer seja o Homem, enfraquece diante do sentimento da minha unicidade e empalidece ao sol desta consciência.

Se baseio a minha causa em Mim, o Único, ela repousa sobre o seu criador efémero e mortal, que se devora a si mesmo, e posso dizer: Não baseei a minha causa sobre Nada.

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Filho de um casal de classe média baixa, Albert Christian Heinrich Schmidt e Sophia Eleonora. Seu pai morreu em 1807 e em 1809 sua mãe casou-se novamente com um farmacêutico, Ballerstedt, e eles se mudaram para Kulm na Prússia oriental.

Em 1819 foi para Bayreuth fazer o prestigioso Gymnasium morando com uma tia. Em 1826 foi para a Universidade de Berlim estudar filosofia com Schleiermacher, Marheineke e Hegel. Continuou seus estudos na Universidade de Erlangen em 1829, transferindo-se, na mesma época, para a Universidade de Könisberg, retornando e concluindo seus estudos em Berlim entre 1832 e 1834.

Colaborou no Diário do Reno, em 1845, com Karl Marx. Assinava em seus textos pelo nome de Max Stirner, que em alemão pode significar "Max, o testa grande".

Frequentou os círculos de discussões dos jovens hegelianos de Berlim no Hippel's Weinstube, local onde se reuniam os Die Freien - Os Livres - sob a liderança dos irmãos Bruno Bauer e Edgar Bauer. Nesta época conheceu Marie Dähnhardt, uma das frequentadoras do Hippel's com quem viria se casar em 1843. Em 1844 publicou sua única obra: "O único e sua propriedade".

A FENOMENOLOGIA DO EGOISMO DE MAX STIRNER

O intinerario stirniano constitui-se na condensação das variáveis contempraneas do pensamento ocidental. Podemos notar em seu pensamento , mesmo que de forma antecipada, questões que posteriormente, estarão configuradas de modo mais definido em obras de autores com Nietzsche,Freud, Hidegger e Sartre, entre vários. Stirner é considerado por muitos como um dos pais do anarquismo.

O EU COMO PROPRIEDADE

Para Stirner, o Eu, como unidade ( individualidade ) singular, é o fundamento de sua esfera existencial. Mas até o momento , toda a ação humana tem sido tolhida, e sua existência como indivíduos não lhes é permitido determiná-la. A sua defesa da individualidade o leva a rejeitar categoricamente todo e quaisquer condicionamentos exteriores ao EU, sejam materiais ou espirituais, por representarem aos seus olhos, forças que oprimem, limitam e escravizam os indivíduos, expropriando-os de si.

Stirner se rebela contra esta determinação de que algo possa ter conteúdo fora do individuo. Ele critica todas a formas de alienação que, segundo ele, tem vitimado os homens, para em seguida demonstrar a individualidade como principio e fim de si mesma.

O processo de alienação

No interior do pensamento stirneriano, a apreciação do fenômeno da alienação está diretamente ligada ao desdobramento da individualidade, que Stirner aborda analisando as fases ( antecipando Freud) da infância, adolescência e idade adulta.

Segundo ele, desde o nascimento o individuo luta com o mundo, no qual é lançado como um dado entre tantos, buscando encontrar e afirmar a si próprio, pois a criança ao entrar em contato com as coisas se opõe as suas intervenções, afirmando sua independência em relação aos objetos do mundo, afirmando assim sua existência . A criança observa e experimenta as coisas visando desvelar o que nelas está envolto em uma neblina que não permite o desvendar de seu fundamento.Teme e respeita o que lhe é exterior até descobrir em si forças capazes de superá-lo. Assim, encontramos a nossa ataraxia, isto é,nossa resistência , nossa supremacia, nossa invencibilidade, e quanto mais nos sentimos nos mesmos, tanto menor se mostra o que antes parecia invencível. Portanto onde se encontra esta força obstinada contra o mundo totalitário do objeto? O ESPIRITO! O mundo objetivo já não exerce nenhum domínio sobre o individuo, pois no adentrar de nossa juventude: declaramos o mundo desacreditado porque nos estamos acima dele, somos ESPIRITO.

O desvelar do seu ESPIRITO, o jovem adota um comportamento teórico.porém, não se confrontando mais com as coisas, passa a se defrontar com os imperativos de sua consciência. Ocupando-se tão somente de seus pensamentos, interessando-se pelo mundo somente quando vê nele a manifestação do espírito, sacrifica sua vida visando realizar seus ideais. Buscando desenvolver e enriquecer seu espírito, o jovem reconhece que embora EU seja espírito, não sou, contudo, espírito completo e devo primeiramente procurar o espírito perfeito. Portanto o jovem vendo-se diante da perfeição do espírito completo perde-se novamente, pois fica de frente de algo que não lhe é próprio, mas que está além de mim, sentindo, com isso o vazio.

Diferente do jovem, o adulto aperfeiçoa a si como pessoa e encontra prazer em si mesmo como homem corpóreo e vivo, adquirindo um interesse pessoal e egoísta, isto é, um interesse não somente por nosso espírito, mas pela satisfação total do individuo. O adulto repele o espírito da mesma forma que o jovem repele o mundo, usando as coisas e os pensamentos segundo seu prazer. O egoísta coloca diante de tudo seu interesse pessoal. EU devo me descobrir, por detrás dos pensamentos, como criador e proprietário. Os pensamentos,por si mesmos, tornaram-se corpóreos, eram fantasmas( Deus, papa, pátria e etc). Mas ao destruir sua corporeidade Eu a reintegro a mim, pois somente EU sou corpóreo. Neste sentido proposto por Stirner, EU toma o mundo como ele é para mim,como minha propriedade. Portanto, a criança, perturbada pelas coisas deste mundo, era realista ate que pouco a pouco atinge o que há por detrás das coisas; o jovem , entusiasmado pelos pensamentos, era idealista, até progredir em direção ao homem, ao egoísta que se comporta à vontade com as coisas e os pensamentos e põe acima de tudo seu interesse pessoal. As etapas da vida são, portanto, caminhos percorridos pelo individuo para apossar-se da consciência de si, atingindo a culminância de seu ser.delineia-se, assim, a determinação fundamental da individualidade stirneriana, que vem a ser o autocentramento na consciência de si.

O Único ( EU ) no Curso Histórico

Transpondo este processo para o curso da historia. Stirner mantém o mesmo procedimento analítico, dando conteúdo ao que se refere no desenvolvimento das fases individuais ao analisar os antigos e os modernos. A antiguidade, período demarcado até o advento do cristianismo,representa a infância, a fase realista da humanidade. Para os antigos, a verdade lhes era evidente através das manifestações do mundo objetivo. Conseqüentemente, eram dominados por ele, submetidos a uma ordem inalterada, vivendo na certeza de que o mundo e as relações por ele impostos, os laços familiares e comunitários, por exemplo, eram os princípios incontestáveis ante os quais deviam se curvar. A impugnação da objetividade como algo dotado de verdade dá inicio a modernidade, identificada por Stirner ao cristianismo. Embora os antigos tenham descoberto o Espírito, não puderam ir além disto: a tarefa de realizá-lo coube aos modernos. A modernidade se caracteriza por um processo de independentização do espírito em relação ao concreto, ou seja, pelo esforço para transcender toda e qualquer determinação sensível, pois para que o espírito seja efetivamente espírito, ele nada pode ter a ver coma a matéria. A soberania do espírito que se estabelece plenamente a partir da Reforma é referendada pela filosofia, ocorrendo legitimação teórica do caráter absolutamente espiritual do ser. Esse processo se inicia com Descartes, que identifica o ser ao pensar, e se completa com a filosofia hegeliana, na qual os pensamentos devem corresponder a realidade do mundo e os conceitos não devem se desprovidos de realidade, dando emfin a reconciliação entre as esperas espiritual e objetiva. Em suma, o resultado alcançado pelos modernos é que tanto no homem quanto na natureza somente o espírito vive. Somente sua vida é a verdadeira vida. De modo que a modernidade culmina em uma abstração .

ATENÇÃO: Por sermos possuidores de um espírito crítico e aberto, anti-religioso, não encaramos este livro ou qualquer outra obra dos grandes pensadores anarquistas, como uma espécie de catecismo. Discordamos de algumas afirmações contidas na referida obra, se bem que concordemos no que se refere aos aspectos fundamentais da sua obra relacionados ao aspectos de impedir a sobreposição totalitária do coletivo em detrimento do individualidade . Por exemplo não podemos aceitar que uma pessoa encare outros seres humanos como objetos utilizáveis ou não, como é defendido numa passagem do citado livro...etc.

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